Trabalho infantil consome futuro de muitas crianças
Jô Azevedo
Estatísticas recentes apontam a existência de cerca de milhões de crianças trabalhadoras entre 5 e 15 anos no Páis. A maior parte na agricultura, nas culturas de tomate, café, algodão, sisal, frutas e outras. Também em atividades como fabricar tijolos ou blocos, quebrar pedras ou produzir carvão vegetal. Nas cidades trabalham como empregadas domésticas, nos lixões catando material reciclável, como office-boys, vendedores de doces nos semáforos e “aviões” para o tráfico de drogas.
Muitas atividades têm na sua rotina as mãozinhas de muitas crianças e a gente nem sabe disso. Mas por que isso acontece? O costume, os hábitos da comunidade, a pobreza familiar, a falta de estudo dos pais, a ausência de escolas, políticas públicas e formas adequadas de geração de renda, além da natureza do mercado de trabalho são alguns dos motivos que levam milhares de pequenos brasileiros a trabalhar.
Criança que vai trabalhar cedo consome seu futuro nas jornadas de trabalho. Não consegue conciliar escola e trabalho, abandonando muito cedo as aulas. E hoje o exigente mercado de trabalho já não se contenta com a escola fundamental. Uma escolarização com tempo mais longo é uma exigência das atividades mais bem remuneradas. Se não há preparo adequado, o círculo de pobreza em que suas famílias estão mergulhadas vai continuar. Então trabalho infantil é um grande ceifador de futuros brilhantes. Tem mais: o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, uma conquista da sociedade brasileira, proíbe o trabalho de crianças até os 15 anos, salvo na condição assistida de aprendiz.
Se buscamos uma sociedade menos desigual, em que a distância entre ricos e pobres não seja tão grande como agora, temos de acabar com o trbalho infantil. Ele é um dos motivos para continuidade do ciclo da miséria em muitas regiões brasileiras. É preciso quebrar esse ciclo, oferecendo outras formas de socialização para essas crianças. Se a educação é um direito de todos, precisamos lutar para que ela seja estendida de fato e com qualidade exigida a todas as crianças, para que todas possam desenvolver habilidades mínimas, senso crítico, visão de mundo e se preparem para a cidadania plena.
Muita gente acredita que o trabalho infantil é a solução. Mesmo os pais dessas crianças pensam dessa forma, pois não têm alternativa. Esta é uma estratégia de sobrevivência que adotam para amenizar os efeitos do desemprego e dos salários baixos e aumentar a renda minguada da família. Também encaram o trabalho como forma de treinar os jovens para o mercado, diante da precariedade da escola pública. Não enxergam que, assim, ao invés de expandir,limitam o desenvolvimento possível de seus filhos.
Outro argumento a favor do trabalho infantil o contrapõe à vadiagem. Ele seria uma alternativa para que a criança não vá para a rua e caia na marginalidade. Mas esse entendimento não mascara a falta de alternativas para socializar essas crianças? Esportes, ações complementares à escola, cultura e atividades de lazer, práticas comuns para crianças de classe média, não deveriam ser estendidas a todos os jovens, por meio de políticas públicas adequadas?
Todas essas questões estão na preocupação de muita gente: educadores, gestores de organismos internacionais, governantes, legisladores, juízes. Há mais de uma década o País se movimenta para enfrentar o problema. Primeiro, apontando as situações do trabalho infantil. Depois, por meio de governos e setores da sociedade, propondo programas para dar conta dele. Assim surgiram as bolsas para garantir a freqüência à escola, as programações de atividades complementares à jornada escolar, os cursos profissionalizantes, a assistência às famílias em situação de risco, os programas emergenciais de geração de renda, etc. Mesmo assim, é pouco. É preciso uma política pública para acabar com essa praga. Por isso, nosso papel é muito importante. A fase de combate ao trabalho infantil que se inicia no novo milênio precisa ser pautada pela forte exigência de todos os setores sociais para que políticas públicas mais abrangentes sejam implementadas.
Jô Azevedo é jornalista, co-autora dos livros
Crianças de fibra (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1994);
Serafina e a criança que trabalha (São Paulo, Ática, 1996);
Trabalho infantil — O difícil sonho de ser criança
(São Paulo, Ática, 2003).
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